terça-feira, 10 de maio de 2011

A leitura no desenvolvimento da criança



Flávia Brochetto Ramos (texto original)


A história registra que a participação da criança no desenvolvimento da sociedade é bastante recente. A infância não era vista como uma fase especial da vida, que deveria ser estudada.

E na literatura não foi diferente. Apenas em 1697 surge uma literatura específica para crianças, através de contos publicados por Perrault.

Inicialmente, a criança era uma projeção do adulto, ou seja, um ser- modelo, à semelhança dos mais velhos. Longe de traquinagens, brincadeiras, roupas sujas e atitudes arteiras.

Somente no século XX é que as crianças passam a ser objeto de estudo, cuja finalidade é averiguar as características do desenvolvimento na área mental e física.

De acordo com Piaget(1980), o desenvolvimento psíquico inicia quando uma pessoa nasce e termina na idade adulta, ao atingir o pensamento hipotético-dedutivo. Tudo ocorre de acordo com os estímulos recebidos, que, ao se organizarem, se equilibram: sempre depois de uma ruptura vem um equilíbrio. Piaget descreve a evolução da criança e do adolescente pela modificação das estruturas cognitivas que resultam na construção do conhecimento. Dessa forma, ele sistematiza a tese de que a interação permanente entre o homem e ambiente propicia equilíbrios cada vez mais complexos.

No processo de desenvolvimento da criança, a leitura aparece como um evento que pode provocar modificações porque a ação humana efetiva-se mediante interação constante do sistema cognitivo interno com o objeto. Aqui, o objeto pode ser a literatura. Assim, vai-se construindo o conhecimento, pois desse processo de interação surge a assimilação. Esse contato com o mundo dos objetos gera comportamentos diversos como a imitação, que é vista como uma manifestação da aprendizagem.

Na abordagem de Flávia Brochetto Ramos, destaca-se o jogo simbólico – quando a criança age utilizando outros objetos para representar aqueles no mundo adulto. Mesmo Piaget não mencionando a literatura como um material simbólico, sabemos que, inicialmente, a narrativa está ligada diretamente ao pensamento mágico e concreto e pode ser um recurso que conduz à abstração, implicando neste processo habilidades como análise, síntese, conservação, transformação.

No direcionamento para o pensamento abstrato, acredita-se que a criança possa interagir tanto com a literatura oral e escrita, quanto com as modalidades de sentido da palavra e da ilustração. A instauração na relação entre sujeito e literatura ocorre quando a criança faz um jogo intelectual e simbólico que possibilita um diálogo interno do receptor consigo mesmo. Aqui, é necessário salientar que a criança relaciona-se diretamente com o texto literário e desvela, progressivamente, os seus possíveis sentidos.

Quanto ao desenvolvimento da criança na concepção social, Vygotsky acrescenta ao estudo da cognição humana a ideia de que o homem elabora o conhecimento e o aplica às situações culturais. Vygotsky vê os produtos da atividade cerebral inter-relacionados com o contexto sócio-cultural. Daí vem o conceito da mediação - processo que permite que as atividades dependentes se tornem emancipatórias. Neste processo, então, a literatura infantil pode colaborar porque é concebida como uma forma de mediação do mundo com a criança, uma vez que propõe um universo diferente do real e que respeita as possibilidades de entendimento do pequeno receptor, a fim de estimular interesses e despertá-lo para diferentes aspectos do mundo.

A literatura potencializa o sujeito, porque, à medida que entra em contato com o objeto leitura, a criança gera um novo estágio que nega o anterior e aí ocorre o amadurecimento e a capacidade de expressar fantasias, conflitos e interferir na realidade.

A literatura interfere na construção da identidade de uma criança, pois inúmeros valores são passados pela leitura, que, gradativamente, apresenta ao leitor infantil, por meio de diferentes interações culturais, esses valores. Destacam-se aqui textos folclóricos, como as lendas, as cantigas de ninar, os brincos, os trava-línguas e a poesia. Esses textos possibilitam que a criança entre em contato com diferentes estruturas, contribuindo sensivelmente para o seu desenvolvimento cognitivo.

Para explicar a consolidação do aprendizado, Vygotsky criou o conceito de zona real e proximal. O desenvolvimento real é dado pelas próprias condições da vida, que obrigam o indivíduo a resolver problemas e a tomar decisões; o proximal refere-se à capacidade que o homem possui de chegar a formas e a comportamentos ilimitados de aperfeiçoamento. Por isso é necessário ter ao alcance da criança uma gama farta de experiências desafiadoras que a possibilitem interação com indivíduos que possuam mais conhecimento naquela determinada área, a fim de expandir sua zona de desenvolvimento proximal.

Outros tantos aspectos permeiam o estudo da literatura no desenvolvimento da criança. Wallon e Vygotsky, por exemplo, afirmam que devido às peculiaridades da interação, explicam-se as diferenças observadas em indivíduos da mesma idade. Isso ocorre porque estão sujeitos a ambientes diferenciados, constituídos por variáveis muito diversificadas. Por isso Ricardo Azevedo ( 2001) afirma que a tentativa de classificar os leitores em idades é uma atitude autoritária que desconsidera as vivências peculiares do indivíduo.

Francisco Varela, em seus estudos, fala sobre a relação do conhecimento com a cibernética, ou seja, estuda a comunicação entre organismos vivos e máquinas. O computador representa um símbolo de pensamento.

Gardner ( 1994) defende a poesia como uma estratégia para ampliar as competências cognitivas do homem. Ele ressalta que a inteligência linguística é desenvolvida, principalmente, pela poesia e aponta o poeta como exemplo máximo de competência no emprego da linguagem, por isso, acredita-se que a poesia seria uma forma muito interessante de ampliar o desenvolvimento proximal da criança.

É preciso romper com a visão de que a literatura não gera conhecimento. A criança que convive com a literatura, oral ou escrita, popular ou artística, convive com um horizonte de expectativas diferente daquele da sua vida concreta. A literatura tem a função de alargar o campo limitado da vivência individual, sugerindo novos desejos, novos objetivos, abrindo caminho para uma experiência futura.

Professora Márcia Regina Santos (Resumo)



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